Faltam 17 dias pra minha ida à França, 21 pro começo da minha residência artística em Angoulême.
Já fiz o inventário das coisas que preciso levar: materiais de trabalho, documentos, dinheiro trocado e MUITA roupa de frio (vai fazer um friozinho super agradável de 4°C por lá).
Mas o que mais anda consumindo espaço na minha cabecinha é a falta que a minha família, meus amigos e meu parceiro vão fazer pra mim. Vai ser um fim de ano diferente: vou passar o natal e o réveillon lá na França, rodeada de pessoas que não escutam a música da Simone no alto-falante.
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Hoje acordei mais cedo e escrevi uma carta para meu namorado. Todo dia converso bastante com meus pais, meu irmão e minha vó.
Eu tenho muito carinho por eles porque em momento nenhum eles impediram que eu fosse criativa. Sempre ganhei lápis de cor, cadernos (eu tinha um que era uma borboleta gigante, estilo lisa frank, bem lisérgico) e canetas coloridas com cheirinho e glitter. Hoje mais velhos (eu e eles, nós todos com mais ou menos cabelinhos brancos) me acompanham nos eventos, palestras e prêmios.
Muita arte já veio disso. A HQ muda que vou lançar essa CCXP, Passarinho, tem literalmente a minha mãe como uma personagenzinha.
Mas meu próximo livro foi inspirado em um negócio bem… diferente. Veio de uma história de anos, influenciada por um pilantra, muita catuaba (2015, né) e as freiras da minha escola antiga.
Essas pessoas, sem saber, me ajudaram a fazer essa viagem.
Deixa eu contar como foi:
(Literalmente) eu ae. Tava tocando Ovelha Negra, da Rita Lee.
Meu primeiro namorado foi aos 16. Eu era uma aluna do segundo ano do ensino médio de um colégio de freiras onde tinha estudado quase a vida inteira. Era uma nerd máxima e, acima de tudo, tava louca pra viver um grande amor. Tirando uma colega minha que namorava desde os onze anos, todas as minhas amigas estavam começando a se envolver com os meninos… e eu, com todo respeito, estava matando cachorro a grito.
Baixei o Tinder.
Menti minha idade no cadastro, escolhi essa foto que vocês viram e, sentada escondidinha na mesa de pingue-pongue no pátio do meu colégio, tive que clicar bem no cantinho esquerdo da tela pra trazer de volta um perfil que quase mandei embora: Lucas, 17. Algumas semanas depois, nosso primeiro encontro foi no sofá da minha sala, com meus pais observando tudo de cantinho.
O Lucas era o que eu queria: um namorado só pra mim. Tão meu que um dia, num surto, eu fiz questão que me buscasse de jaqueta de couro no portão da escola, só pra causar inveja. Dava pra ver meus colegas (e a Irmã Sueli) se empoleirando na grade pra ver quem era, na minha tosca opinião, aquele baixista bad boy perigoso…
… tão perigoso que foi uma péssima pessoa. Nosso relacionamento era um ansiar eterno por um toque, um beijo, uma palavra de afeição que raramente vinha. Ele sabia que eu era bissexual - me assumi pra minha família durante nosso namoro - e não lidava bem com isso.
Levei um pé na bunda alguns anos depois, no meu primeiro semestre da faculdade. Era sexta e eu estava no metrô a caminho da aula. Não consegui subir pra sala e meu colega Matheus, que já acompanhava essa nossa novela mexicana, ficou sentadinho do meu lado na rua, me dando apoio moral.
Logo umas colegas, que estavam matando aula pra fumar cigarro black de cravo e que já não iam com a cara “daquele vigarista”, vieram encher a minha bola: algumas me davam moral, outras me davam ideia. Matheus sugeriu que a gente fosse direto pro bar, que ficava a duas quadras da faculdade.
Imagina só: a esquina do quarteirão da estação Brigadeiro, na Paulista, lotada de estudantes com a mochila cheia de textos não lidos agarradinha no pé. Marofa densa, cerveja barata e vodka Askov vermelha dada na boquinha do pessoal. Eu estava lá no meio com minha camiseta justa do Star Wars que ressaltava meu pneuzinho, uma jaquetona jeans de brechó e uma cara de choro inquestionável - zero drip, zero molho.
Matheus pegou a minha mão e me arrastou pela multidão, anunciando pra todo mundo que eu queria ficar com uma mulher pela PRIMEIRA VEZ.
17 anos de cristianismo na veia não vão embora assim tão rápido.
Uma garrafa de catuaba e dois beijos depois eu estava chorando no metrô de volta pra casa. Tinha dado tudo certo. Foi lindo, foi ótimo… mas, dentro de mim, eu sabia que tinha pecado. Cheguei em casa calada, fui direto pro chuveiro e tomei um banho quente e demorado. Ensaboei o corpo todo: os braços, as pernas, o tronco, o pescoço, dentro da boca…
Isso tudo foi em 2015. Essa angústia morou por um tempo dentro de mim: fiz textos que nunca lancei, crônicas que já apaguei… tudo para elaborar um sentimento que não ia embora se não fosse bem processado.
Amor é algo para ser sentido, provado, explorado. E, nas relações com outras pessoas, a gente se descobre. Mas e quando essas experiências são tiradas da gente? Para onde vai esse desejo?
Na época eu não tinha o desenho como válvula de escape. Não tinha nem o desenho. Era editora de vídeo de um canal sobre saúde da Prefeitura de São Paulo. O máximo que dava pra fazer era ouvir um rock pauleira e editar mais um vídeo sobre, sei lá, diabetes gestacional. Vida que segue.
Quase quatro anos depois do ocorrido, me formei em jornalismo com minha primeira reportagem em quadrinhos, o Parque das Luzes. Em 2019 lancei esse meu TCC como livro e, em 2020, louca por mais, fiz um curso de roteiro com o Rafael Calça, que simplesmente ganhou um Jabuti.
Ele propôs um exercício de 3 páginas. 3 viraram 5, que viraram 15, 20, 45… quando vi, entreguei a lição atrasadíssima, mas com uma história que vomitei de uma vez, já pronta: Três Estações, a HQ que está no começo dessa newsletter e que vou desenvolver na minha residência em Angoulême.
É a história de Ana, uma garota católica muito reprimida e religiosa que beija Luiza, sua melhor amiga, em uma balada com os colegas da faculdade. Ela foge para o metrô mais próximo e, no vagão vazio, encontra seu melhor amigo e a última pessoa que queria ver naquela hora: Deus. Ana, então, tem 15 minutos (ou três estações…) pra descobrir por que Ele está lá.
Esses dias, com a residência chegando mais perto, sentei pra conversar com a minha mãe depois do almoço. Ela já leu todas as versões da história e, durante todo esse tempo, me deu o maior apoio. Me abraçou quando eu chorei escrevendo, me apoiou quando eu tive vergonha de gravar vídeos sobre o assunto. Nunca soltou a minha mão.
Ela riu e falou: “filha, você percebeu que, antes de sair, esse gibi já tem 10 anos?”
10 anos esperando o lugar perfeito e o tempo certo de nascer. Agora é hora.
Se você quiser receber esse livro de graça quando for lançado, basta acompanhar sua produção pela minha campanha contínua no catarse. Por lá, estamos contando detalhes do apartamento e do estúdio disponíveis pros artistas, além de deixar os assinantes escolherem os temas das próximas tirinhas.
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Bisous et à demain,
Cecilia.
SOU DOIDE PRA LER SEUS OUTROS QUADRINHOS QUE EU NÃO LI!
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